sexta-feira, 20 de agosto de 2010

BLOG NOVEL CAPITULO III

JANELA

Lá fora chovia muito. Meu corpo permanecia imóvel. Apenas pequenas tentativas de movimento para endireitar as costas sobre o leito ou semi-estender os braços ou dedos adormecidos. De repente surge a minha frente um homem, alto, grande, pele negra, olhos ainda mais; dentes fortes e brancos. Vestia um tipo de uniforme verde. Olhou para mim e sorriu, sorriso largo, aberto. Ele carregava uma caixa de ferramentas toda protegida por um plástico transparente e foi logo colocando-a sobre a mesa e ao mesmo tempo exclamou com uma voz grossa que parecia estar no último volume:
- Não deve ser nada fácil ficar aqui, não é mesmo? Estes quartos deveriam ter mais vida, mais opções, entreterimento, endende? Tv a cabo, vídeo-game, estas coisas. E soltou aquela gargalhada.
Me deu uma vontade danada de rir, mas tal como o meu corpo respondia as minhas investidas consegui no máximo esboçar um pequeno sorriso e disse:
- Você tem toda razão. Aqui minha maior companhia são minhas lembranças.

Para você entender tudo isso mais um pouco vou lhe contar um pouco sobre mim. Sempre fui uma pessoa de forte personalidade. Tive uma infância comum e tranquila apesar de ter vivido uma terrível experiência. Fato este que nunca saiu das quatro paredes de minha casa e não sei se no decorrer deste livro conseguirei , em algum momento, lhe contar. Mas já deixo claro que, com certeza, este acontecimento norteou a formação de minha personalidade que até hoje balança entre a necessidade de ser alguém a cada minuto da vida com o desejo incondicional de ser livre e feliz. Meus pais sempre estiveram por perto mas acretido que em algum momento da minha adolescência eles desistiram de mim. Hoje são super presentes e os considero meus amigos. E quando os entitulo amigos, digo amigos como nunca jamais encontrarei. Outro ponto importantíssimo é a importância que a minha filha passou a ter desde o momento que nasceu. Cada decisão tomada após a sua chegada considerou e muito a sua existência e a minha capacidade de poder proporcionar caminhos e oportunidades para que ela se tornasse uma pessoa boa e também feliz. Sempre fui do tipo que diz o que pensa e que não admite injustiças ou qualquer maldade. As pessoas gostam de mim, porém as que não gostam, simplesmente me detestam. Nunca fui muito tolerante e muitas vezes me tornei arrogante por não compreender a razão de certas pessoas agirem sem pensar. Afastei amigos queridos e me tornei um ser cuja liberdade só se é sentida na intimidade do coração. Para mim felicidade está inerente à liberdade. E se para mim as coisas funcionam mais ou menos assim, hoje, meu maior dilema é como ser feliz se criei tantas regras e condições?

No decorrer do livro espero aos poucos achar esta resposta.

Quando percebi aquele homem estava de costas para mim consertando um dos aparelhos que se encontrava no canto esquerdo da porta.
- São só pequenos ajustes que tenho que fazer. É rápido e já já não vou mais lhe encomodar.
Então, aproveitando a oportunidade, me bateu uma curiosidade, fiz a ele uma pergunta:
- Qual o seu nome?
- Josué, seu criado, sempre ao seu dispor. - disse se virando e abrindo aquele sorriso.


Foi quando adormeci e me transportei para um lugar fantástico. De repente me vi sentada a uma mesa enorme. Ao meu lado minha filha, parecia já ter uns 25 anos de idade. Meus pais logo adiante. Estavam mais velhos mas com bastante saúde, os olhos brilhavam de tanta felicidade. Em seguida meu irmão e sua mulher, minha adorável irmã, meu querido cunhado Tarcísio e meus sobrinhos. Os gêmeos, soltos, corriam ao redor da mesa brincando e mexendo com todos. Estávamos às margens da Lagoa das Mansôes nas mediações do Vale das Acácias, um lugar simplesmente mágico! As águas ofuscavam um brilho indescritível, rodeadas por coqueiros que balançavam ao vento, orquestrando o equilíbrio da natureza em movimento. Era a própria vida saltando aos olhos do mundo, bem ali ao nosso redor, em todas as direções.

Sobre a mesa muita fartura! Um almoço de dar água na boca. Como nos velhos tempos, quando mamãe fazia lá no sítio, nos fins de semana. Mas algo me chama a atenção. Logo ali, bem a nossa frente um homem alto e grande permanecia de costas. Parecia organizar sobre um balcão bem improvisado as próximas guloseimas. Ao se virar segurando uma linda e rica bandeja nas mãos o reconheci logo pelo sorriso, deverasmente sincero. Surpresa abri um sorriso e como se a um grande amigo recebesse disse:
- Josué! Josué! Venha logo se sentar aqui conosco! Quero lhe contar novidades! E esta é muito, muito especial! Você vai amar em saber! Vamos Ana, conte logo minha filha!
Todos então se mexeram ao redor da mesa para que Josué pudesse se sentar.
- Está pronto! Escute só.
Então Ana disse:
- Aconteceu Josué! Nossa família foi mais uma vez presenteada. Uma vida nova está para chegar. Vou ter um bebê! Vou ser mãe!
- É isso mesmo! É inacreditável! Eu vou ser avó! - completei totalmente enebriada com o fato.  

Então uma onda de calor e alegria tomou conta de todos nós. Nada ali era contido, tudo explodia pelos poros e vivíamos intensamente cada momento. As palavras eram como gestos e os olhares diziam um milhão delas.
Aquela criança significava muito para cada um de nós. É como se a vida recebesse um fôlego. A batalha havia sido ganha e o bem mais uma vez se impetrou sobre todo e qualquer aresta do mal. Ali ele era ínfemo, quase inexistente.

Como num surto de consciência perguntei a mim mesma porque em toda a minha vida não havia permitido em nenhum momento tanta satisfação e liberdade? Afinal a vida é feita de pequenos acontecimentos. Porque os tratamos com tanto desprezo, porque não reconhecemos nos outros, principalmente nos entes queridos, a possibilidade de experimentar a simples felicidade, aquela de estar perto, de trocar palavras e gestos, de viver, amar, superar limites, desmanchar regras, reconhecer erros, fazer melhor, lutar juntos seja lá para o que for, crescer, mudar, sofrer, superar, envelhecer, delirar, gargalhar, deixar para lá, seguir em frente, desistir, escolher de novo, errar mais uma vez, escolher mais uma vez, chorar um pouco, trabalhar, assobiar, cantar, dar um grande abraço, ir e voltar?

Foi quando, ao meu lado, Josué, pegou a minha mão com delicadesa e falou:
- Eu não havia lhe dito qua bastava acreditar no amor! Pois o que vives aqui e agora é fruto da sua capacidade de amar! Cada emoção, cada sensação você fez por merecer! Viva plenamente cada uma delas. Cada vez mais você verá o mundo de uma forma única! Cada vez mais você também descobrirá formas inusitadas de ser feliz e seguir sempre em frente!

De repente acordei. Imeditamente procurei Josué no quarto. Não estava mais lá. O silêncio não me encomoda mais.

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