domingo, 22 de agosto de 2010

BLOG NOVEL - CAPÍTULO IV

SOFIA

           Acordei e tive uma enorme surpresa. Tudo estava diferente. Os tubos e todos aqueles fios haviam sumido, o quarto não parecia mais o mesmo, era mais amplo e ventilado. Mais tarde fiquei sabendo que depois daquele susto já haviam se passado 7 dias. Na mesa encostada na parede bem em frente a minha cama havia um bouquê de flores já meio murchas e sem vida. Um silêncio acolhedor tomava conta de tudo.

          Você se lembra daquela mulher que quando cheguei ao hospital rezou agradecendo a Deus por ter me deixado continuar meu caminho aqui na terra?  Eis que ela surge pela porta do quarto dizendo:
- Bom dia! - e com um pequeno spray nas mãos já foi se virando para borrifar as flores que pareciam mesmo já terem seus destinos marcados.
- Bom dia, Latrisce. - ainda meio engasgada respondi. 
           O céu, por sua vez, azulíssimo, invadia o quarto pela ampla janela anunciando a beleza do mundo e a sua incontestável e infinita imensidão!
E como se meu corpo ainda não estivesse satisfeito, fechei os olhos mais uma vez e adormeci por mais alguns minutos. Ao abrí-los, desta vez pra valer, fiquei impressionada! Era simplemente maravilhoso! 
Em um passe de mágica, bem ao meu redor, haviam flores, muitas flores,  de todas as cores e tipos: gardênias, dálias, rosas, margaridas... Latrisce se mexia em torno delas como se bailasse em pleno jardim. O perfume era impressionante, literalmente pairava no ar. A vida explodia em cada cor, em cada pétala, em cada nuance de tonalidade e perfume! Parecia o despertar do mundo! Pelas janelas uma brisa fresca entrava sutilmente e mesmo sob os lençois sentia minhas pernas mais vivas do que nunca. Estava com uma vontade doida de me levantar dali e sair correndo como jamais corri. 
            Latrisce então se aproximou e disse: - Tudo isso é obra de Josué. As flores... Você percebe o poder delas? - ela disse respirando fundo para sentir o perfume. Elas são como um presente para os olhos e para o coração. Hah!.. Se as pessoas soubessem como são importantes e quão grande é a influencia que exercem sobre nós! - continuou.



              Respirei fundo. E não é que Josué surge de repente anunciando um passeio nos jardins do hospital!? Segundo ele, uma grande surpresa me aguardava. E focado em me tirar dali, aproxima-se da cama com uma cadeira de rodas. Com todo cuidado e sem muito esforço, devido ao seu tamanho e força, me transfere para ela em etapas. Primeiro levanta a cabeceira da cama e esperamos um pouco. Depois me senta na cadeira com todo cuidado e paciencia.
              Josué me intrigava e me encantava. Ele era capaz de botar medo em qualquer um dependendo da situação em que se fosse cruzar com ele. Por outro lado era exemplo de dedicação e candura. Meus olhos se mantinham nele. Sua voz era segura e doce e ele adorava contar histórias. Então ele pergunta: - Como se sente está manhã? E a voz ainda meio rouca e sumida dá seu ar de graça. - Bem melhor. - Pois vá se preparando porque hoje começamos as sessões de fisioterapia e quero você fora desta cadeira o quanto antes.

            Pela primeira vez saio do quarto. O corredor parecia imenso e no final dele uma luz insistia em incidir seus raios diretamente em meus olhos que se esgueiravam em busca de uma visão mais clara daquele destino. O silencio era enorme e os passos de Josué se tornavam altos, soavam como tambores em meus ouvidos. Completamente hipnotizada por aquela luz fomos nos aproximando até que me dei conta de estar totalmente envolta por ela. No minuto seguinte rompemos a porta e um imenso campo verde toma conta de um amplo campo de visão. Josué não estava mais ali, a cadeira também havia desaparecido. Eu estava lá. Sentia-me extremamente forte e segura e sobre minhas próprias pernas. Avancei.  Bem ao longe havia um enorme campo de flores. Então avistei alguém: uma menina que corria com um enorme feixe de balões coloridos amarrados em seu punho. Não a reconheci. De repente ela parou e olhando bem em minha direção assenou. Imediatamente mudou o seu rumo e veio correndo diretamente para mim. Ela gritava: - Louise! Louise! Louise! Foi um abraço inesquecível! Ela era leve como uma pluma. Sua pele era clarinha, seus olhos tinham a cor do céu. Um sentimento de enorme felicidade misturado com um alívio indescritível tomou conta de tudo. Foi quando me dei conta que todas as dores haviam sumido. Ela disse: - Eu não acredito que você está aqui. Há tanto tempo te espero! Ali mesmo nos sentamos. Ao ver aquela menina na minha frente fui invadida por uma avalanche de pensamentos e sensações. Seu olhar me remetia ao olhar de Ana e aos poucos fui entendendo quem era ela, tão minha e aos mesmo tempo tão nova quanto a gota de orvalho que acabava de flagrar caindo sobre uma pequena folha bem diante de meus olhos. Sofia, Sofia era o seu nome.
           Nos tempos de outrora, no desabrochar de minha juventude, nos tempos que Cazuza gritava para a burguesia sobre a hipocrisia e o direito a liberdade de cada um, Sofia teve seu caminho interrompido. O destino assim o quiz A partir dai um grande e oculto vazio permaneceu em cada instante de minha vida. Era como se carregasse um fardo pesado demais que fere a alma e nunca cicatriza. Se soubéssemos do gosto da desilusão jamais experimentaríamos algumas escolhas. O fato é que Sofia nunca existiu. Mas ali, bem diante de mim ela quebrava este peso jogando por terra qualquer sentimento de derrota ou perda. Com os bracinhos envoltos ao redor de meu pescoço repetia a todo instante que me amava, amava meus entes queridos, amava a vida em cada detalhe e que estaria sempre ao meu lado. Deitamos sobre a relva e um por um soltamos os balões de Sofia sobre o céu azul que derramava seu esplendor diante de nós. Eles iam subindo, iam sumindo na imensidão. O tempo perdeu o compasso e eu fiquei ali olhando aquele pequenos pontos de cor até sumirem por completo. Azul, azul imenso quando...

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